8 de dezembro de 2014

Planta ajuda a monitorar poluição

segunda, 08 de dezembro de 2014

Em dias mais poluídos, uma pessoa tem 33% a mais de chance de sofrer um infarto. Levantamento feito na cidade de São Paulo revela que pelo menos 12% das mortes envolvendo idosos acontecem em decorrência dos altos níveis de poluentes emitidos principalmente pelos veículos existentes na cidade.
Além de causar doenças cardiovasculares (infarto e arritmia) e respiratórias (asma e pneumonia), a poluição ainda é vista como um verdadeiro veneno para gestantes e bebês. Já está comprovado que altos níveis de poluentes podem contribuir para a prematuridade da criança e seu baixo peso ao nascer.

E o que isso tem a ver com a planta popularmente conhecida como “coração-roxo”?

É que o Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Universidade de São Paulo (LPAE/USP) realizou um estudo que comprova que a planta Tradescantia pallida, a popular coração-roxo, ajuda no controle da qualidade do ar – é o biomonitoramento.
Na cidade de Santo André (SP), a planta está ajudando o Semasa (Serviço Municipal de Saneamento Ambiental de Santo André) a monitorar a qualidade do ar da cidade, servindo como um sensor na análise de dados. O objetivo é fazer um mapeamento completo dos bairros mais poluídos. Em 2002, floreiras foram plantadas em seis pontos da cidade.
Em um estudo preliminar, analisando-se mutações da planta entre setembro de 2003 e janeiro de 2004, constatou-se as áreas mais poluídas de Santo André.

A idéia do biomonitoramento foi do professor Paulo Saldiva, da Faculdade de Medicina da USP, parceira no estudo. Em 2002, Saldiva participou em Santo André de um seminário sobre meio ambiente e propôs para a Prefeitura o biomonitoramento, por ser uma tecnologia mais barata e tão precisa quanto os métodos convencionais. “Santo André é uma cidade com vocação industrial e com número elevado de carros. Daí a preocupação com o monitoramento do nível de poluição”, diz Saldiva, supervisor do programa.
Em 1998, o professor descobriu as propriedades do coração roxo na Universidade de Chicago, nos Estados Unidos, por meio de um pesquisador chinês. “Essa planta é fácil de cultivar em qualquer lugar e tem alta resistência. O seu DNA (ácido desoxirribonucleico) registra os poluentes e suas mudanças”, conta Saldiva.
Entre 2002 e 2003, foram preparadas as condições para a coleta das plantas. “Esse tempo foi necessário para que criássemos condições iguais de cultivo nos seis pontos da cidade, para que não houvesse divergência de dados”, explica a bióloga Eriane.
Entre setembro de 2003 e setembro deste ano, foram recolhidas amostras quinzenalmente nas floreiras e encaminhadas para a USP e para o Ipen (Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares), que é responsável em detectar todos os elementos poluentes encontrados.

O projeto também tem o objetivo de realizar educação ambiental. Estudantes de escolas municipais e estaduais são convidados a conhecer o programa e entender as propostas do biomonitoramento. “Tentamos conscientizar os jovens sobre a necessidade de preservação ambiental”, conta Eriane.

E em Salvador, na Bahia, a plantinha também está mostrando serviço…

Ainda que Salvador não possua grandes complexos industriais dentro da área urbana, sua população está vulnerável a ação de diversos poluentes que são liberados principalmente a partir da queima de combustíveis durante o funcionamento de veículos automotores. A depender da concentração, esses poluentes podem causar até câncer. Esta afirmação é da bióloga Josanidia Santana Lima, que coordena uma pesquisa sobre a utilização da Tradescantia pallida cv. purpurea (normalmente encontrada em canteiros públicos da cidade) na avaliação da poluição atmosférica de Salvador.
A pesquisa com a Tradescantia pallida, segundo a bióloga, é apenas uma das várias na área de biomonitoramento atmosférico por meio de vegetais realizado pelo Laboratório de Avaliação de Impactos em Ecossistemas Terrestres (Laviet) do Instituto de Biologia (Ibio) da Universidade Federal da Bahia (Ufba), do qual é coordenadora. “Esse biomonitoramento pode ser ativo ou passivo. No primeiro caso, monitora-se a vegetação já presente no ambiente que se está avaliando. No segundo, introduz-se nas áreas a serem avaliadas vegetais cultivados em condições padrões”, explica.

O biomonitoramento usando a Tradescantia pallida é ativo, uma vez que a planta já existia nos ambientes avaliados. Em termos práticos, ele se traduz na utilização do que Josanidia Lima chama de “teste Trad-MCN”, que se baseia na contagem de micronúcleos em células mães de grãos de pólen na Tradescantia. “O uso deste teste permite determinar a capacidade de substâncias causarem danos ao material genético, levando à formação de micronúcleos ao fim da divisão celular. Uma freqüência elevada de micronúcleos nas análises é o indicador de que as substâncias afetam a planta”, explica a bióloga.
A estrutura do DNA e seus mecanismos de replicação e reparo são universais para todos os seres vivos, ou seja, o que causa danos ao material genético dos vegetais pode vir a causar danos aos cromossomos de seres humanos.
O teste Trad-MCN revelou que, nos locais testados com um maior tráfego de automóveis, onde a emissão de poluentes é maior, há uma concentração de “compostos clastogênicos”, pois as células da planta recolhida nesses lugares apresentaram mutação genética (alta freqüência de micronúcleos). “Já nas células da planta recolhida em áreas de menor fluxo de veículos, as freqüências médias de micronúcleos encontradas foram menores”, compara.
De acordo com Jasanidia Lima, a freqüência de micronúcleos esperada para locais isentos ou com nível baixo de poluição é de 8%, enquanto que em locais extremamente poluídos, como garagens de grandes edifícios, são esperadas freqüências que atinjam até 28%. Estudos remontam a 1789O uso de vegetais como bioindicadores data de 1789, segundo a bióloga Josanidia Lima. “Quatro químicos holandeses observaram que plantas de hortelã e feijão, em uma redoma, ficaram manchadas depois de expostas, por um dia, a vapores de mercúrio e morreram dias depois”, conta. O teste Trad-MCN, por sua vez, foi desenvolvido em 1978. Desde então, ele tem sido utilizado para monitorar a ação de poluentes do ar em vários locais dos Estados Unidos, Canadá, Alemanha, República Popular da China e México. O teste foi introduzido no Brasil recentemente e já foi utilizado com sucesso por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto de Botânica de São Paulo.
A espécie Tradescantia pallida cv. purpurea é uma planta ornamental facilmente encontrada em ruas e jardins, mesmo em locais com concentrações elevadas de poluentes atmosféricos. Por essas características, ela é adequada para o biomonitoramento.

Uma das principais vantagens do teste Trad-MCN, segundo Jasanidia Lima, é que ele é rápido, altamente sensível, eficiente e econômico, fornecendo uma advertência precoce sobre a qualidade do ar. “É bastante adequado para ser implementado em países em desenvolvimento para fins de proteção ambiental e da saúde da população”, conclui.


Fontes: Correio da Bahia e Diário do Grande ABC

Texto disponível em Jardim de Flores